Pele de tilápia é aplicada em cirurgias de córneas em cães e gatos no Ceará; uso humano é avaliado

O uso da pele de tilápia na medicina, técnica cearense de repercussão internacional, é aplicada como curativo para a recuperação de cães após cirurgia de córneas, com mais de 400 procedimentos realizados no Ceará, desde 2019. Os resultados positivos vão da recuperação mais rápida à cicatrização satisfatória e o uso em humanos será avaliado por pesquisadores.

Essa possibilidade surgiu com a criação da matriz dérmica acelular da tilápia, que é uma lâmina de colágeno, no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), da Universidade Federal do Ceará (UFC), para aplicação em cães e gatos.

As cirurgias de córneas são realizadas em cães e gatos, por questões genéticas ou ferimentos nos olhos, com membranas comerciais importadas e de alto custo. Os cachorros de nariz curto, como shih-tzus, pugs e bulldogs, são mais vulneráveis devido à maior exposição dos olhos.

Esse foi o caso do shih tzu Bud, de 6 anos, que brigou com outro cão e teve a córnea perfurada com risco de perder o olho. Um susto para a tutora Georgia Moreira, de 35 anos, que comemora a alta há 10 dias e a cicatriz tão pequena que “nem noto”.

“Nós tínhamos muitas incertezas e inseguranças, pois outros veterinários não nos deram esperanças, mas a recuperação foi super tranquila. De dor ele só reclamou antes da cirurgia”, resume.

Eu não conhecia a técnica, não sabia nada a respeito. Sabia que usavam a pele de tilápia em queimados. Como cearense, fico muito orgulhosa de saber que nós somos pioneiros em pesquisas relacionadas à saúde

GEORGIA MOREIRA

Tutora

Na pesquisa da UFC, foram comparados os resultados de membranas comerciais e houve a verificação da superioridade da pele de tilápia como uma “doadora” de colágeno para as estruturas oculares. Com a técnica, as cicatrizes ficam mais transparentes e permitem uma melhor recuperação da visão dos animais.

O “curativo” feito de tilápia também possui ação de combate à dor e evita a contaminação por ser estéril. Os benefícios, inclusive, aparecem já na aplicação porque as matrizes são mais fáceis de armazenar e manusear.

Mirza Melo, pesquisadora da UFC e professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), avalia os resultados mais positivos do que o previsto.

“O que a gente esperava é que, quando a matriz fosse suturada sobre as lesões de córneas de cães funcionasse como um um arcabouço para que as células pudessem regenerar sobre elas e trazer uma cicatrização para o animal”, detalha sobre o estudo no mestrado.

O que a gente teve de resultado foi muito mais animador, nos surpreendeu de verdade, porque além de trazer cicatrização, trouxe muito mais rápida e com uma maior qualidade

MIRZA MELO

Pesquisadora

Todas as cirurgias foram realizadas na clínica Centro de Olhos Veterinário, que funcionou como uma extensão do núcleo de pesquisa. A técnica é apresentada em congressos e reuniões para ampliação do uso.

CASOS DE ÚLCERA

A estudante de medicina veterinária Alana Frota, de 21 anos, soube do caso de um pug abandonado numa clínica devido ao quadro de úlcera grave nos dois olhos e problemas de pele. O animal, por volta dos 3 anos de idade, foi resgatado e passou pelo procedimento com a tilápia.

“A expectativa de visão era baixa, principalmente do olho direito ser funcional. Durante a consulta, a médica perguntou do nosso interesse e achei bem interessante, não senti medo ou receio”, lembra Alana.

Após a cirurgia, foram cerca de 10 dias até tirar o ponto do olho esquerdo e mais uma semana para tirar o do olho direito. “No começo da cicatrização eu consegui ver a pele de tilápia colocada, que vai desaparecendo e sendo absorvida”, detalha a estudante.

O cão nomeado de Pug Nelson agora corre esbanjando saúde. “O animal conseguiu recuperar a visão dos dois olhos, algo que não estávamos prevendo, estão funcionais e está apto a ir para um lar”, acrescenta.

Algo parecido com o pequeno shih-tzu Ozzy Holanda, de 7 anos, que começou a ter indisposição devido à úlcera no olho direito. A tutora Fátima Holanda ficou angustiada com a indicação da cirurgia de urgência.

“Me doeu ver ele aquilo (colar Elizabetano) no pescoço, ficou um mês para não mexer no olho, e tive de dar comida na boca. Algo bem delicado”, lembra a jornalista.

USO EM HUMANOS

No momento, além de outros veterinários serem reunidos para ampliação do serviço em animais, também há movimentação para aplicar a técnica em humanos. Nesta terça-feira (11) acontece um evento voltado para isso.

“Vamos ter um encontro técnico com 20 oftalmologistas de um hospital e apresentar a técnica cirúrgica e começamos a traçar uma estratégia para começar o uso em humanos”, adianta Mirza.

A inovação foi apresentada no Congresso Brasileiro de Oftalmologia Veterinária e foi premiada em primeiro lugar, no último ano. A pesquisa também foi levada para o 42º Congresso da Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais.

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